sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A célebre operação Raio 10 - Fev.1973

Coube-me comandar a célebre "Operação Raio 10", que narrei em 14/3/2009 no meu blogue pessoal e cuja leitura prévia se recomenda para melhor conhecimento da aberração que foi a estratégia dos altos comandos militares do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola, de quem os Furões dependiam diretamente como companhia de intervenção de reserva.


Aberração, porquê? 
Ontem, como hoje, os "altos comandos" são fáceis de identificar: carregam o peito e o ombro de divisas, estrelinhas douradas e bué de medalhas e outros sinais exteriores de sapiência e mérito militar, pavoneiam-se com ar muito emproado, todos muito convencidos de que são os senhores da guerra e que de tudo sabem a partir da vasta experiência adquirida ao longo dos anos...nos seus bonitos gabinetes inundados de mapas e mapinhas polvilhados de setas e outros pontos de referência da mais alta relevância militar.


Observei esta fauna e dela sou testemunha presencial quando comandei interinamente a companhia durante cerca de 3 meses e tinha de me deslocar ao bonito forte de Luanda onde estava a sede do Comando-Chefe, pois era ali que os comandantes de companhia iam receber as diretivas em briefings militares rumo à vitória hasta siempre, comandante.

A malfadada operação foi executada a partir da nossa 1ª base táctica, situada no buraco do Bom Jesus (de Úcua), onde a CART3564 permaneceu durante os primeiros 10 dos 26 meses de comissão, entre 16 de Junho de 1972 e 23 de Abril de 1973.
[quartel do Bom Jesus, visto do cimo do morro da Sanga, 
que várias vezes trepámos a pulso e sob grande esforço]

A operação realizou-se com o recurso a 3 helicópteros de assalto + 1 e desenrolou-se em 2 fases:
1ª fase, de 1 a 5 de fev.73: largada de sucessivas secções de 5 homens armados até aos dentes, num local pré-determinado pelo sapiente major do Comando-Chefe, que veio da capital à grande e à francesa, num enorme heli Puma.  
O local da largada situava-se na zona do acampamento "N'gongoto" [pertencente à Zona III da I Região Político Militar do MPLA], tendo-se iniciado com o lançamento duma 1ª vaga de 3 helis Alouettes III, protegidos pelo 4º heli, conhecido por "lobo mau", por estar munido duma maravilhosa máquina de costura montada na sua parte lateral esquerda/bombordo e cujo objetivo era dar proteção ao lançamento das vagas de assalto.

(sobre o lobo mau, ir AQUI)

Falo em 2 vagas de lançamentos porque foram 30 os bravos atirados às feras. Como cada alouette transportava uma secção de 5 homens armados até aos dentes, temos: 5 x 3 helis x 2 vagas.
- 2ª fase, de 5 a 9/2/73, que se desenrolou na que chamávamos e conhecíamos como zona das lagoas.
(largada na operação lagoas)

Como não poderia deixar de ser, a célebre e malfadada operação raio 10, que eu, felizmente, comandei (fui no 1º heli e logo após tirei a foto supra), ficou bem registada, quer na história da CART3564 - Os Furões, sobretudo a escrita em verso pelo nosso camarada e companheiro João Leal Póvoa, ex-furriel miliciano do 1º Grupo de Combate (1º GC, o meu), quer num dos vídeos que ele editou  e que será ou já foi, como os demais, publicado neste blogue.
A operação foi um fiasco e a razão foi simples: o 4º heli, cuja missão era ir voando em círculo em proteção dos demais helis, pôs o lobo mau a despejar metralha cá para abaixo na zona de largada, supostamente por ter detetado elementos armados do perigoso IN (sigla para inimigo).
A malta do MPLA não era lorpa e pôs-se ao fresco, de modo que, durante os 4 malfadados dias que a desgastante operação durou, nem vê-los ao longe para lhes acenar e aproveitar para ouvir os piropos do costume: vão pró Puto (Portugal) seus isto, seus aquilo, que esta terra é a nossa Pátria!
Razão não lhes faltava, como sempre propagandeei junto dos meus bravos, doesse a quem doesse, a ponto de ter recebido a mal disfarçada visita no Bom Jesus do chefe do posto da PIDE/DGS do Caxito, por sinal um tipo sensato, que percebeu que não tinha por onde me pegar, mesmo que estivesse farto de conhecer o meu "currículo" dos tempos de Coimbra/1969. 
Numa conversa a dois que jamais esquecerei, disse-lhe o que pensava, sem medo, que um ranger só tem medo de morrer na praia.
Aproveito para dizer que nunca tive o prazer de conhecer um operacional a sério que fosse defensor da "gloriosa Pátria, minha amada"...

Voltando à operação gizada pelos altos comandos armados em chefes:
Ao 2º dia, sempre metidos na água e na lama (1ª foto, supra, tirada  durante a operação), vampirizados pelos mosquitos e sem pregar olho, pedimos a nossa evacuação por heli.
Mandaram-nos borrifar, pelo que tivemos de percorrer alguns 100km a pé até chegarmos ao nosso aquartelamento do Bom Jesus, completamente estoirados, ensopados até aos ossos pelas chuvas constantes e torrenciais, entremeadas por um sol abrasador, com o corpo e o camuflado a tresandar a bafio e a toda a merda por onde o nosso corpo se arrastou.
Ao fim dos 4 dias, tirados os sapatos de lona de cano alto, os pés eram uma chaga, a pele branca como a cal, enrugada, cortada e hipersensível, a fazer lembrar um cadáver na água ao fim de dias. 
A enfermaria do camarada furriel Pereira nunca teve tantos utentes à espera.
Devem ter bebido nesta fonte histórica os sucessivos ministros da saúde do Portugal de Abril e os patrões do atual SNS...

Concluindo:
Ficou para a história da nossa querida Companhia Independente uma operação concebida por quem sabia muito...a partir do ar condicionado do Comando-Chefe de Luanda. Sabia tanto, que se esteve nas tintas para os repetidos avisos deste alfereszito de meia tigela.

Ontem, como hoje: 
Manda quem pode, quer e sabe (nada).

Ontem como hoje:
Filhos da puta!, como gritavam de raiva e revolta os meus bravos.
Houve até quem quisesse disparar sobre um avião de reconhecimento que lá apareceu (Dornier DO27) para nos indicar o caminho de regresso. 
Como se a malta não soubesse o caminho, já que o comandante das operações levava sempre consigo o GPS da época: uma carta militar da zona e uma bússola de azimutes.
E sentido de orientação, que na mata não há pontos de referência, nem uns bares com umas bejecas frescas ao virar da esquina. Nem umas gajas de minissaia a pedir boleia...

Rais parta a Operação Raio 10!
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- P.S. (salvo seja): Lembro aqui o que o saudoso e íntegro Capitão Salgueiro Maia nunca se cansou de lembrar até morrer: o 25 de Abril não chegou a muitos nichos e tabus da vida civil e militar e os privilégios das castas, longe de terem desaparecido, multiplicaram-se como no célebre milagre bíblico, que isto de democracia é como o sol: quando nasce é para todos, incluindo a canzoada dos burocratas, carreiristas e outros pilares do regime.

1 comentário:

  1. companhia de artilharia 1468/65 do BART 1869/65 GALOS esteve aqui e muitas vezes vinha aqui a minha companhia CCS estava no UCUA

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